09/06/11

O presidente da Junta (parte II)

continuação de "O presidente da Junta"

17 h, a Dona Florinda está a terminar de lavar o chão da junta quando chega o senhor Presidente.

- Boa tarde, Florinda, como está a senhora? E o seu marido, está melhor?
- Como ontem, senhor Presidente, como ontem…. – responde ela com o olhar a perder-se num momento em que era nova e o Horácio a pediu em casamento. Por um momento sentiu-se livre. O pobre homem vivia agora confinado à casa e a mulher confinada a ele.
- Como correu o dia?
- Ligou para aí uma senhora, por causa de umas ruas, ficou de ligar outra vez.

Mal ela acabava de falar, tocou o telefone. Trim!Trim! Som irritante na sala vazia.

- Está, bom dia! Quero falar com o Sr. Presidente.
- Sim, sou eu. Faça o favor de dizer, minha senhora.
- Os munícipes querem fazer o cartão do cidadão e o senhor não dá nome às ruas!
- Peço desculpa, minha senhora, mas na nossa freguesia não tenho conhecimento de ruas sem nome.
- Não há ruas sem nome?! Há isso é que há. O que me diz da Cova dos Alqueides? Isto não é morada, sabe o que isto deve ser, é só uma casa e dão-lhe este nome. E não é assim! O senhor foi eleito para resolver os problemas dos seus munícipes, e eles tem de ter moradas de jeito. Ou o senhor resolve isto ou os seus munícipes não vão ter cartão do cidadão que por mim não passam. E o senhor é o responsável. E tenho aqui outro munícipe que diz que mora na Barraca do Costa, na sua freguesia, mas digo-lhe já que está errado, esse topónimo não é da sua freguesia, mas na Senhora da Cela, que é o que é oficial. Diga lá, onde começa e onde acaba?

Eudócio abre os olhos de espanto. Em 15 anos à frente da Junta da sua terra, já tinha aturado algumas bebedeiras a gentes da terra, principalmente do Puga, alguns desacatos aos rapazes e às beatas por causa do local da festa, mas nunca se lhe tinha deparado com um caso destes.
"Esta gente de Lisboa não deve ser boa da cabeça!" - conclui satisfeito com a própria conclusão.

- Minha Senhora, só lhe posso dizer que Cova dos Alqueides é o nome correcto e o Barraca do Costa é aqui no centro da vila, a Senhora da Cela é na outra ponta do concelho, nem confronta com os limites da nossa freguesia. - responde o presidente apardalado com tanta pergunta e tanto disparate junto. Pensa para si ao mesmo tempo que ergue os olhos para o céu, como que a pedir resposta à sua pergunta. – Mas de onde é que isto me caiu?!

Do outro lado, a voz continua, insistentemente, sem parar, cada vez mais alto.

- Está enganado, o oficial é que conta, e assim não vai haver cartão do cidadão para ninguém e a responsabilidade é sua. O senhor não sabe que há leis? As casas tem de estar numa rua com nome a começar por Rua, Avenida, Praceta, etc. Vamos fazer assim, envio-lhe uma lista e o senhor envia-me um mapa com os nomes correctos, está bem? Já lhe estou a enviar. – e sem esperar resposta, que não há tempo para tanta incompetência, envia o email.

Com um sorriso trocista, pensamentos pecaminosos a bailarem-lhe na ponta da língua, contem-se.
- Certo, certo, minha senhora. Envie se faz favor que amanhã devolvo-lhe isso. – responde mostrado uma calma que nem ele sabe onde foi buscar.
Passados 2 dias, o telefone toca, Eudócio vê que é um número de Lisboa, cauteloso chama a Dona Florinda.
- Florinda, atenda por favor e se for de Lisboa, diga que não estou.


- "Mas que será que se passa com o presidente desta Junta, faz seis meses que o tento contactar e nunca está." - pensa para si - "Por isso é que os problemas não se resolvem..." e ri-se sozinha.

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